Neste
último mês de ensaio, julho de 2012, algumas elaborações
me ocorreram sobre o desenvolvimento da criação deste
trabalho.
Percebi,
vi, não sei exatamente que palavra utilizar mas o fato foi,
senti-me incorporada de tudo o que construí junto com a
Larissa.
Tive
tempo de olhar o percurso da criação desde o início
quando, em 2010, resolvemos ler uma peça e daí
começarmos a coreografar uma dança que teria três
personagens, um dos quais, masculino e virtual. Daí estudamos,
tentamos criar solos diferentes, criamos danças que não
se conectavam, pensamos em um espaço no qual o público
entrasse já separado e daí começaria assistindo
uma destas três figuras, mas nunca encontrávamos uma
dança clara para essa proposta, até concluirmos que o
terceiro sujeito masculino não fazia sentido pois ele era
somente alguém que estava nas nossas ideias femininas e não
era dele que estávamos falando, e sim de nós duas.
A
mudança, recomeçamos os solos cada uma dando workshops
para a outra, em busca de nos orientarmos para as construções
coreográficas. Destes workshops conseguimos elaborar as
qualidades de movimento aerada, irada e a desconexão dos
membros superiores e inferiores, mas ainda não conseguiamos
encontrar com clareza o assunto. Então num dia de cansaço
e medo, pois já patinávamos há muito numa sopa
sem sentido, conversamos, eu e Larissa, e conseguimos identificar
ligações e conexões e estabelecemos um primeiro
roteiro com cenas definidas mas que no nosso modo de dançar
tornávamos uma sopa ainda maior...
Criar
algo é frágil e requer muita coragem para poder
desconstruir verdades sem jogar fora o conhecimento anterior. É
um processo revelador das camadas deste conhecimento. É um ato
de autonomia e dedicação ao mesmo tempo libertador
quando se vê o chão sob os pés cansados e que
cada passo dado foi uma escolha feita e mais um aprofundamento se
revela para outra possibilidade do fazer.
Estes
escorregões e incertezas, pelos quais passamos junto com todos
os colaboradores que são também provocadores, Mariana,
André, Cris Lyra, Suellen, Juliana, Henrique, Beatriz, e mais
recentemente, Ishii, Renato, Paula, Luciano e Érica, foram se transformando
em discurso.
Cada
uma destas pessoas colaborou com honestidade em seu apontamento
olhando o que se lhes apresentava de dentro, com perguntas que
exigiam transformações desde a organização
corporal, organização da cena até a elaboração
do discurso sobre o trabalho.
Passamos
ainda muito tempo na massa disforme, foram 5 meses de trabalho
elaborando jogo de olhar, de campo de visão, de imitação,
ainda descobrindo que o olhar do outro não era exatamente
nosso assunto, que o fato de o outro existir com seu olhar não
era exatamente o que fazia existir, o olhar do outro era parte do
nosso discurso, mas não era o discurso propriamente dito até
que em determinado momento de extremo cansaço, um entre o
'antes de desistir' e fazer existir nos demos conta de que a muito
falávamos da solidão.
Foi
dolorido assumir isso pois até então em todas as
conversas havíamos feito desvios e voltas e contornos para
evitar este assunto, mas era ela, a solidão, que se nos
apresentava como assunto, claro e objetivo.
Como
o momento era de assumir foi isso que fizemos. Logo no início
dos trabalhos a Juliana sugeriu um 'livrinho', “Cartas a um Jovem
Poeta”, que a Lari já havia lido e me emprestou, pois as
cartas ajudaram a dar solidez para as elaborações.
Vimos aspectos da solidão bastante fortalecedores, entendemos
a solidão como a característica do humano. Também
um estudo proposto pela Suellen sobre entendermos as imagens das
nossas qualidades de movimento nos orientou e juntas estas duas
provocações foram o ponto de mudança.
A
solidão nos delimita, nos delineia, nos constrói
alteridade, e daí nos próximos ensaios após
experimentarmos descoladas daquilo que havíamos feito antes,
dançamos.
Nos
despojamos de tudo o que antes era a massaroca e aos poucos tudo o
que estava misturado amalgamado se decantou mostrando muitas camadas
que eram cenas claras do formas, qualidades de movimento, trajetórias
no espaço, tempo de acontecimento e relação
entre nós na cena e com os sujeitos que compartilham da dança
ao nosso redor.
O
despojamento e desapego de tudo apresentou possibilidade de
escolhermos o que servia que dava integridade ao discurso e assim
entendemos e de modo, agora olhado, bastante coerente elaboramos “A
inesperada beleza do descabelamento”.