domingo, 12 de agosto de 2012

Descobrindo o sentido sentindo


Neste último mês de ensaio, julho de 2012, algumas elaborações me ocorreram sobre o desenvolvimento da criação deste trabalho.
Percebi, vi, não sei exatamente que palavra utilizar mas o fato foi, senti-me incorporada de tudo o que construí junto com a Larissa.
Tive tempo de olhar o percurso da criação desde o início quando, em 2010, resolvemos ler uma peça e daí começarmos a coreografar uma dança que teria três personagens, um dos quais, masculino e virtual. Daí estudamos, tentamos criar solos diferentes, criamos danças que não se conectavam, pensamos em um espaço no qual o público entrasse já separado e daí começaria assistindo uma destas três figuras, mas nunca encontrávamos uma dança clara para essa proposta, até concluirmos que o terceiro sujeito masculino não fazia sentido pois ele era somente alguém que estava nas nossas ideias femininas e não era dele que estávamos falando, e sim de nós duas.
A mudança, recomeçamos os solos cada uma dando workshops para a outra, em busca de nos orientarmos para as construções coreográficas. Destes workshops conseguimos elaborar as qualidades de movimento aerada, irada e a desconexão dos membros superiores e inferiores, mas ainda não conseguiamos encontrar com clareza o assunto. Então num dia de cansaço e medo, pois já patinávamos há muito numa sopa sem sentido, conversamos, eu e Larissa, e conseguimos identificar ligações e conexões e estabelecemos um primeiro roteiro com cenas definidas mas que no nosso modo de dançar tornávamos uma sopa ainda maior...
Criar algo é frágil e requer muita coragem para poder desconstruir verdades sem jogar fora o conhecimento anterior. É um processo revelador das camadas deste conhecimento. É um ato de autonomia e dedicação ao mesmo tempo libertador quando se vê o chão sob os pés cansados e que cada passo dado foi uma escolha feita e mais um aprofundamento se revela para outra possibilidade do fazer.
Estes escorregões e incertezas, pelos quais passamos junto com todos os colaboradores que são também provocadores, Mariana, André, Cris Lyra, Suellen, Juliana, Henrique, Beatriz, e mais recentemente, Ishii, Renato, Paula, Luciano e Érica, foram se transformando em discurso.
Cada uma destas pessoas colaborou com honestidade em seu apontamento olhando o que se lhes apresentava de dentro, com perguntas que exigiam transformações desde a organização corporal, organização da cena até a elaboração do discurso sobre o trabalho.
Passamos ainda muito tempo na massa disforme, foram 5 meses de trabalho elaborando jogo de olhar, de campo de visão, de imitação, ainda descobrindo que o olhar do outro não era exatamente nosso assunto, que o fato de o outro existir com seu olhar não era exatamente o que fazia existir, o olhar do outro era parte do nosso discurso, mas não era o discurso propriamente dito até que em determinado momento de extremo cansaço, um entre o 'antes de desistir' e fazer existir nos demos conta de que a muito falávamos da solidão.
Foi dolorido assumir isso pois até então em todas as conversas havíamos feito desvios e voltas e contornos para evitar este assunto, mas era ela, a solidão, que se nos apresentava como assunto, claro e objetivo.
Como o momento era de assumir foi isso que fizemos. Logo no início dos trabalhos a Juliana sugeriu um 'livrinho', “Cartas a um Jovem Poeta”, que a Lari já havia lido e me emprestou, pois as cartas ajudaram a dar solidez para as elaborações. Vimos aspectos da solidão bastante fortalecedores, entendemos a solidão como a característica do humano. Também um estudo proposto pela Suellen sobre entendermos as imagens das nossas qualidades de movimento nos orientou e juntas estas duas provocações foram o ponto de mudança.
A solidão nos delimita, nos delineia, nos constrói alteridade, e daí nos próximos ensaios após experimentarmos descoladas daquilo que havíamos feito antes, dançamos.
Nos despojamos de tudo o que antes era a massaroca e aos poucos tudo o que estava misturado amalgamado se decantou mostrando muitas camadas que eram cenas claras do formas, qualidades de movimento, trajetórias no espaço, tempo de acontecimento e relação entre nós na cena e com os sujeitos que compartilham da dança ao nosso redor.
O despojamento e desapego de tudo apresentou possibilidade de escolhermos o que servia que dava integridade ao discurso e assim entendemos e de modo, agora olhado, bastante coerente elaboramos “A inesperada beleza do descabelamento”.

5 comentários:

  1. Começar começando... E sempre pra começar é preciso jea ter começado... Antes, num sem tempo. A preparação apra estar pronto se faz fazendo. Criar, criando. Bonito ouvi-las contar dos tempos onde não há outra ação que não caminhar na cegueira. E como de tanto fitar a escuridão os olhos se especializam em distinguir os tons de breu. E eis que um dia já se enxerga no escuro, e se tem visões de raio-laser. Super poderes que aparecem de um dia pra o outro. Mas não da noite para o dia. Longo caminho. Trabalho!

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    1. Pois é Paula, estamos agora começando a ver estes tons... este é um momento de descobertas intensas e que fazem caminhar, são a lenha da fornalha desse trem Liame!
      Bom ler você aqui! Bom ter você por perto! Obrigada!

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  2. É muito interessante fazer parte dessas provocações e ver depois como vocês assimilam e respondem.

    Eu sinto o contrário do que você diz. Só me sinto delimitado e delineado na presença dos outros, sob o olhar do outro. Vivo alguns períodos de solidão profunda em que me sinto líquido, sem saber o que sou eu e o que é o mundo e o que são os outros. É uma sensação real e enlouquecedora e despersonalizante.

    Tem uma música de Caetano, "Diferentemente", que começa assim:

    Acho que ouvi uma canção de Madonna
    "When you look at me, I don't know who I am"
    E desentendi
    Pois comigo, é você quem me olhando, detona
    A explosão de eu saber quem eu sou

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    1. É Bai mais uma vez você mostrando meus desencontros...
      Sim, o olhar do outro me delimita, mas neste últimos tempos o olhar do outro me tolheu tanto. Usei a estratégia de saber que o outro existe mas que só eu posso me resolver. Sim preciso ser olhada pra poder saber que estou ali, mas também descobri que eu mesma me ver, e me sentir, meu peso e minhas oposições contra a gravidade também me dimensionam. O olhar do outro me levava para um sentido de repressão em alguns momentos, minha experiência me levou a isso (não sei ainda porque, vou para a análise com essa!) e o desligamento desse estar sob o olhar e experimentar mesmo essa liquidez e a possibilidade de me re-mateializar me opondo contra a gravidade me deram outra possibilidade de dançar...
      Quando a Lari diz que é disso que estamos fando será que é assim? Ai acho que aqui achei algo novo!!!! Obrigada Bai!!!!!(Henrique, que é mais bonito mas não sai naturalmente)

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    2. Camila Bronizeski olha isso: http://www.youtube.com/watch?v=D9Ko7U1pLlg&list=PL2DD789BDBB3029F3&index=6

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